quinta-feira, 18 de abril de 2013

Anarquismo no currículo

Espalhado por sindicatos e organizações de trabalhadores, movimento contestador abriu suas próprias escolas no Brasil, com pedagogia inovadora 

Criadores de sindicatos, instigadores de greves, contestadores do capitalismo. A partir do final do século XIX, os anarquistas marcaram presença na cena pública nacional, liderando as primeiras mobilizações operárias do Brasil. E para disseminar sua ideologia revolucionária, lançaram mão de uma arma especial: a educação. Não poderia ser uma educação qualquer, é claro. Seus princípios contrariavam os valores burgueses e primavam pela solidariedade e pela radical liberdade do indivíduo na gestão de sua própria vida. É o que expressa a origem etimológica da palavra “anarquia” – do grego an (negação) e arquia (governo). “Aquele que botar as mãos sobre mim, para me governar, é um usurpador, um tirano. Eu o declaro meu inimigo”, resumiu o filósofo francês Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), um dos fundadores do anarquismo. Os ideais do movimento político chegaram ao Brasil trazidos principalmente por imigrantes espanhóis e italianos. Organizando-se em sindicatos e federações, sua principal atuação se dava junto à nascente classe dos trabalhadores urbanos. Mas num país com 85% de analfabetos, era difícil fazer circular a propaganda anarquista nos meios populares e operários. Jornais e boletins tinham que ser lidos em voz alta para que os métodos de luta fossem apreendidos. Para ampliar a conscientização e a participação dos trabalhadores, era preciso criar espaços educativos próprios. Nas escolas anarquistas, os operários e suas proles teriam acesso ao conhecimento formal – devidamente temperado pela ideologia do movimento. Com o apoio financeiro de sindicatos e federações, elas se espalharam pelo país. Entre 1885 e 1925, cerca de quarenta instituições de ensino anarquistas surgiram no Brasil. A primeira de que se tem notícia foi a Escola União Operária, em Porto Alegre (RS). Em Fortaleza (CE) funcionou a Escola Germinal (1906); em Campinas (SP), a Escola Livre (1908); no Rio de Janeiro, a Escola Operária 1° de Maio, e em São Paulo, as Escolas Modernas nº 1 e nº 2 (todas de 1912), entre muitas outras. Em 1904, tentou-se até uma experiência de ensino “superior” (complementar à formação dos trabalhadores), com a criação da Universidade Popular de Ensino (Livre), no Rio. Ela contava com a colaboração de vários militantes e de literatos simpatizantes do movimento, como Elísio de Carvalho, Fábio Luz, Rocha Pombo, Martins Fontes, Felisberto Freire e José Veríssimo. Mas, ao contrário das escolas, durou poucos meses. Uma resolução do primeiro congresso da Confederação Operária Brasileira (COB), em 1906, determinava que toda associação operária deveria sustentar uma escola laica para os sócios e seus filhos. “Ninguém mais do que o próprio operário tem interesse em formar livremente a consciência dos seus filhos”, justificava o texto. O foco do ensino anarquista era a contestação do capitalismo e o fortalecimento da participação política do operariado. Tudo que, segundo eles, a educação formal impedia. A burguesia era acusada de monopolizar a instrução e o conhecimento científico por meio de “artificiosas concepções que enlouquecem os cérebros dos que freqüentam as suas escolas”, de acordo com nova resolução, no congresso seguinte, em 1913. Argumentavam que “as castas aristocráticas e a Igreja” mantinham o “povo na mais absoluta ignorância, próxima à bestialidade, para melhor explorarem-no e governarem-no”. As escolas estatais e religiosas impediam “a emancipação sentimental, intelectual, econômica e social do proletariado e da humanidade”. Diante de um quadro educacional tão dramático, a pedagogia anarquista precisava realizar transformações profundas. O ensino científico e racional deveria atender às verdadeiras necessidades humanas e sociais: a razão natural, e não a razão artificial criada pela burguesia. No lugar da memorização que prevalecia nas escolas, propunha-se abrir espaço aos jogos e à iniciativa dos próprios alunos. Exames e concursos deveriam ser extintos, assim como qualquer tipo de prêmio ou castigo. Eram ideias inspiradas no método racionalista, criado pelo espanhol Francisco Ferrer y Guardia (1859-1909), fundador da Escola Moderna de Barcelona. Para Ferrer, a criança deve ser o centro do processo educacional e o professor tem a tarefa de problematizar a realidade, conjugando teoria e prática – esta identificada com o trabalho manual. Meninos e meninas devem estudar na mesma sala (proposta ousada para a época), assim como ricos e pobres. A educação não pode se eximir de sua responsabilidade política, conscientizando os alunos para os valores humanitários e antiestatais do anarquismo. Mais do que pôr em xeque a pedagogia tradicional, esses princípios soavam como uma afronta ao poder constituído. As teorias de Francisco Ferrer y Guardia despertaram a ira da Igreja e do governo espanhol. Ele foi preso, e de nada adiantaram os protestos pela sua libertação: acabou fuzilado em 1909. Os currículos das escolas anarquistas brasileiras estavam em sintonia com a proposta racionalista de Ferrer. Privilegiavam a leitura, a caligrafia, a gramática, a aritmética, a geografia, a geometria, a botânica, a geologia, a mineralogia, a física, a química, a história e o desenho. Também incluíam sessões artísticas e conferências científicas. Para além da sala de aula, os alunos participavam de eventos operários, principalmente em datas consideradas importantes pelos anarquistas, como 18 de março – data da Comuna de Paris, insurreição popular que em 1871 gerou o primeiro governo operário da história –, 1º de maio – em memória da execução dos “mártires de Chicago” (1886), operários que pediam a redução da jornada de trabalho para oito horas diárias – e 13 de outubro, data do fuzilamento de Ferrer. Assim a escola aproximava alunos, famílias e sindicatos, mantendo viva a memória e a necessidade das lutas proletárias. O esforço educativo desses grupos resultou também na fundação de bibliotecas, centros de estudos, centros de cultura e grande circulação de periódicos. Mas as greves gerais ocorridas em São Paulo e no Rio de Janeiro em 1917 e 1919, com marcante liderança anarquista, chamaram a atenção do Estado e da Igreja Católica para as ações do movimento. Os anarquistas passaram a ser vistos como ameaça e tornaram-se alvo de dura repressão: inúmeros militantes estrangeiros foram expulsos do país, suas escolas foram fechadas e os professores foram acusados de difundir a revolução social. Educadores vinculados àquelas escolas foram colocados em listas negras de industriários da época, e não conseguiram se empregar novamente. A classe dominante e os governantes criaram e divulgaram a tese segundo a qual o anarquismo era uma “planta exótica” – vinda da Europa, não teria clima favorável para se desenvolver por aqui. A estratégia era evidente: negar a luta de classes e ressaltar a suposta cordialidade e o apego à ordem do povo brasileiro. O terceiro congresso do COB, em 1920, realizou-se sob esse clima de tensão. Mas, mesmo em um contexto complicado para o movimento operário brasileiro, a educação anarquista continuava em pauta. “O III Congresso Operário, tratando das escolas proletárias e tomando conhecimento da inominável violência do governo paulista que encerrou arbitrariamente as Escolas Modernas, quando esse mesmo governo tolera e até mesmo protege as escolas reacionárias, associa-se ao movimento de protesto do operariado contra essa opressão”, dizia a moção redigida por Edgard Leuenroth (1881-1968), um dos principais militantes anarquistas da República Velha. A partir dali, a repressão só iria recrudescer. Expulsões, deportações e prisões no campo de concentração de Clevelândia, no município do Oiapoque (RS), durante o governo de Artur Bernardes (1922-1926), minaram a força do anarquismo. Mais à frente, com o Estado Novo e a implantação do sindicalismo oficial vinculado ao governo, a atuação do movimento acabou restrita a atividades culturais e educativas – como as da Universidade Popular Presidente Roosevelt, criada em 1945 por intelectuais não necessariamente anarquistas, que oferecia cursos gratuitos em várias áreas, como Psicologia, Sociologia, Política e Economia. Mesmo ocultada das teorias pedagógicas e da história da educação, a influência das propostas libertárias anarquistas foi marcante no século XX. Muitos de seus princípios foram absorvidos pelas principais correntes pedagógicas e reformas educacionais, como as propostas de Celestin Freinet (1896-1966), a Escola Nova de John Dewey (1859-1952), a pedagogia de Paulo Freire (1921-1997) e, atualmente, o movimento das Escolas Democráticas. E não deixaram de provocar inquietação. Até que ponto, nestes tempos individualistas e competitivos, é possível praticar um ensino baseado na solidariedade e na liberdade? 

José Damiro de Moraes é professor na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri e autor, com Silvio Gallo, de “Anarquismo e Educação – A educação libertária na Primeira República”. In: História e Memórias da Educação no Brasil, vol. III (org. Maria Sephanou e Maria Helena Câmara Bastos, Vozes, 2005). 

Bibliografia: CODELLO, Francesco. A Boa Educação: experiências libertárias e teorias anarquistas na Europa, de Godwin A. Neill. São Paulo: Imaginário/Ícone, 2007. DEMINICIS, Rafael Borges; AARÃO REIS FILHO, Daniel (org.). História do Anarquismo no Brasil, vol. 1. Niterói/ Rio de Janeiro: EdUFF/MAUAD, 2006. GALLO, Silvio. Pedagogia Libertária: anarquistas, anarquismos e educação. São Paulo/Manaus: Imaginário/Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2007. SAFÓN, Ramón. O Racionalismo combatente: Francisco Ferrer y Guardia. São Paulo: Imaginário/ IEL/NU-SOL, 2003.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Por um mundo sem preconceitos!


ANTIFASHON


1º DE MAIO - PROTESTO!


COB - Confederação Operária Brasileira


1 DE MAIO


... CONVOCAMOS A TODOS, TRABALHADORES, ATIVISTAS, ARTISTAS, BANDAS, DESEMPREGADOS, DIARISTAS, ANARKISTAS, FANZINEIROS, ARTESÕES, POETAS ESCRITORES E TODOS PARA O MANIFESTO CONJUNTO DO 1 DE MAIO...REUNIÃO sexta-feira dia 19 de abril de 2013. A PARTIR DAS 19:00 h PARA ORGANIZAÇÃO E PRÁTICA DO 1 DE MAIO DE 2013, ENCONTRO na VISCONDE RIO BRANCO, 487 sala 401 PORTO ALEGRE/R$...

Como construir o sindicalismo revolucionário


(texto do jornal da oatl)

A questão da representatividade nos movimentos sindicais é uma constante que tem sido abordada pelos anarquistas no decorrer da história do movimento dos trabalhadores. Filha das revoluções burguesas, ela tem sido levantada por setores da esquerda como o mais legítimo exercício da democracia, apesar da prática nos demonstrar o contrário e de servir inclusive na contenção do potencial de radicalização e de ação direta das “bases”. Com cargos de “lutadores profissionais”, os “representantes da categoria” vivem em sua contradição: dizem representar os trabalhadores contra o Estado e ao mesmo tempo, liberados de seus empregos por negociações com o governo, contém qualquer radicalização da base que possa acarretar na sua própria desmoralização ou destruição. Podemos observar que as radicalizações, de modo geral, não ocorrem através das direções, mas apesar delas. Base de todo aparelhismo, esse “vanguardismo burocrático” travestido de democracia tem levado a um enfraquecimento dos movimentos de trabalhadores, que dentro da “cultura representativa” esperam eternamente por ações de seus diretores e do próprio poder executivo. Os casos dos golpes militares no Brasil e no Chile demonstram como determinados setores da esquerda alimentaram uma esperança nas reformas de Goulart e Allende, desarmando em sentido literal e sentido metafórico o movimento dos trabalhadores para resistir aos ataques golpistas. A título de comparação, a Confederação Nacional do Trabalho (CNT), principal sindicato espanhol no início do século XX, tinha apenas um funcionário remunerado, um secretário sem nenhuma função deliberativa, contando com mais de 1 milhão e meio de filiados. Isso permitiu uma proximidade constante entre “base” e “quadros” e sua fusão, criando uma cultura de ação direta e resistência não representativa. Não é mero acaso ter acontecido na Espanha, onde havia a cultura de não esperar pelo poder executivo e pela burocracia sindical, a experiência de barrar um golpe militar da direita. Na Espanha de 1936, onde a derrubada da Segunda República, na impressão da direita, promoveria um rápido golpe militar seguido de um pronunciamento, o golpe se transformou em resistência armada e guerra civil. O povo, sem esperar pela frágil República e nem pelos burocratas sindicais, toma de assalto as armas dos quartéis, forma milícias populares e resiste bravamente ao golpe do general Franco. Quando alguns militantes da CNT, traindo a revolução, aderem ao governo para fazer frente única contra o fascismo, serão as suas bases e colunas – como a coluna Durruti – que se manterão em armas defendendo uma revolução socialista, a coletivização plena, e as milícias populares contra o fascismo e a burguesia espanhola agarrada ao Governo Republicano. Na contramão da experiência mais positiva da CNT, na atualidade brasileira vemos em geral um movimento de luta sindical cada vez mais distante da proposta de um sindicalismo classista , autônomo e combativo. Ao fazermos uma breve reflexão histórica podemos perceber que a burocratização sindical já existia na experiência do movimento operário bem antes do modelo fascista incorporado no Brasil na década de 1930. Anarquistas e conselhistas, por exemplo, denunciam, desde o século XIX, a existência de um corpo de profissionais especializados, com direito a funcionários “subalternos” - faxineiros, secretários, cozinheiros, porteiros e demais trabalhadores vistos pelo marxismo como parte da classe com baixo (ou nenhum) potencial revolucionário -, na estrutura sindical. Vale ressaltar que esta burocracia nasceu sem a imposição do Estado, mas pelo desejo de uma parte da esquerda pelo Estado, pela reprodução de suas formas de organização e exercício do poder, pelo sonho da “ditadura do proletariado” ou simplesmente um “governo popular” de conciliação de classes, como fazem os reformistas da velha e atual social-democracia. Vendo o cenário de hoje, acreditamos ser necessário uma crítica à este modelo sindical em sua totalidade e raiz, combatendo as chantagens oriundas dos contratos entre sindicato e Estado e da existência de estruturas e formas de gestão que permitem e incentivam a perpetuação de burocracias e profissionais sindicais. É preciso acabar com este emprego, tão desejado pelas direções dos partidos institucionais, do “profissional do sindicato”, “representante da categoria”, e isto só é possível se eliminarmos o modelo atual de diretoria e seu sistema eleitoral representativo. Como inimigos deste sindicalismo pelego, temos que lutar, a todo instante, pela construção dos conselhos de trabalhadores, pelos sindicatos autogeridos organizados desde as comissões de base, sem cargos e empregos pagos pela taxa de sindicalização e por repasses (chantagens) do Estado. Precisamos defender, como programa, uma autonomia sindical que pressupõe o fim dos “sindicalistas”, o fim do modelo de democracia representativa criada pela burguesia, a criação do poder dos trabalhadores, do poder popular. Nosso exemplo mais próximo, sem “idealismos”, são os próprios sindicatos revolucionários existentes aqui no Brasil que se organizavam a partir da autogestão, da democracia direta, e acreditavam somente na ação direta e organização dos trabalhadores como ação válida para a luta de classes e a resistência ao poder. Foi esse modelo de sindicalismo que tocou as lutas sindicais mais fortes, combativas e democráticas. Nossa luta é contra o “sindicato cutista”, mas também contra o sindicato burocrático que se diz de “esquerda” e que age como “polícia” quando sentem que a luta caminha para uma ação direta, radical, organizada pela base.